quarta-feira, 3 de junho de 2020

A razão do ser do racismo



Da perspectiva científica e biológica, todos nós seres humanos viemos de um mesmo tronco, da mesma raiz, e como bem assinalou H. Nesturkh, as raças humanas têm origem comum e são variantes duma só espécie. Biologicamente, a partir do nível da evolução física de seus representantes, nenhuma é superior à outra.
Essas assertivas nascem de fora, não estão atreladas a vieses religiosos, nem a qualquer movimento de luta negra, mas são ratificações cientificas que esclarecem a origem do homem. No que tange ao aspecto bíblico quanto à temática ora em apreço,  esse livro harmoniza-se plenamente com a ciência, dizendo que de um só Deus fez toda a raça humana para habitar sobre toda a face da terra, havendo fixado os tempos previamente estabelecidos e os limites da sua habitação (Atos 17.26).
Através da unidade da origem da raça é que pode se compreender as semelhanças entre os seres humanos, tanto no aspecto psicológico, biológico, morfológico, religioso, as raras e pequenas diferenças existentes são apenas no aspecto anatômico, que são secundárias, e servem apenas como sinais distintivos.
Já que qualquer livro de biologia começa suas seletivas páginas evidenciando que todos vieram de uma mesma origem, então porque o racismo é tão presente no mundo, originando-se de pessoas que se dizem intelectuais, líderes, presidentes? Na verdade, o que acontece é que se arquitetou um discurso por meio de pessoas que se dizem sábias e que argumentam que as raças não têm uma origem comum, mas que são determinadas por vários genes. Passaram a falar de modo errado sobre a questão taxonômica, sobre ciência ou técnica de classificação.
Com essa dialética traçada e projetada passou então a difundir-se que os agrupamentos humanos envolviam caracteres diferentes em diversos aspectos, e que desta maneira nem todas as pessoas seriam iguais, não teriam a mesma origem, eram estranhas umas das outras. É a partir desta filosofia partidária, sinistra, desumana, ardilosa, fúnebre, que discurso sobre raças superiores e inferiores são feitos.
Mas novamente interpelamos: por que montar tal discurso? Não é difícil responder, com a ideia de uma raça inferior, retardada, desprovida de certo nível de inteligência, de cultura, predestinada a sofrer, fadada à escravidão, à exploração, o palco facilmente é montado para que a dita raça superior massacre, domine, escravize os inferiores.  
Com a bandeira do racismo hasteada, não demora para que em países, Igrejas, famílias, Escolas, dentre outros agrupamentos, comecem a emergir aqueles que são apologistas do discurso de uma raça melhor, superior, potente. Foi com esse sentimento de busca por uma raça superior que a figura desumana, brutal de Adolfo Hitler surge. Quem conhece a história desse homem o tem como um monstro, mas é bom lembrar que sua monstruosidade foi criada por um discurso forjado por mentes desumanas.
A ação desumana, incivil, do policial branco Derek Chauvin contra o negro George Floyd, numa pose, isto é, com mão no bolso e o joelho pressionado contra o pescoço de Floyd por vários minutos e outros policiais assistindo tudo passivamente, não é mero fruto de uma casualidade aleatória, mas firma-se em um discurso de que a vida negra não faz sentido, não tem valor, pois é um ser que foi destinado à miséria, desgraça, que não merece viver. A mente do policial americano está envenenada pelo discurso da raça superior, e esse é o discurso que emana dos lábios dos líderes e de muitos liderados americanos.
Os racistas vão cada vez mais se estruturando com seus discursos negativos e desumanos, dizendo que por meio deles vem o avanço tecnológico, científico, a civilização, as riquezas materiais, por isso eles podem ser os mandatários, ao passo que a raça inferior só deve ser útil para desempenhar a mão de obra escrava, não podem contribuir com nada, pois são seres desvencilhados da cultura, inteligência, nasceram para serem humilhados, dominados.
Pelo discurso dos apologistas racistas, a evolução social não exerce poder nos caracteres sociais, mas são as qualidades inatas, biológicas da raça que fazem com que haja o progresso ou a queda de um determinado grupo social. Observe que com tais argumentos fantasiosos e mentirosos os racistas rentam alterar as coisas, transformando a teoria da história em um doutrinamento físico e psíquico.
Não há provas históricas e antropológicas que confirmem que a evolução de um povo ou nação se deu através de uma raça superior, nem tampouco pelo nível cultural das dimensões dos cérebros, como desejam afirmar os racistas, se isso fosse verdade não poderia haver progresso na civilização egípcia, onde homens e mulheres tinham crânios pequenos, o que os colocariam em desvantagem, mas quem conhece a história sabe do progresso do Egito.
É ainda falso e maldoso o discurso dos racistas em querer dizer que a evolução de uma civilização acontece através de uma raça superior, a história nos mostra o contrário: enquanto que os romanos eram poderosos, bem desenvolvidos, os germânicos eram vistos como bárbaros, mas não demora muito para que eles avancem e cheguem a ser uma grande civilização, e fica obvio que tal fato não se deu por questões raciais, mas sim por questões econômicas e sociais.
Portanto, a razão do ser do racismo firma-se em discursos apologéticos que dão ênfase a desigualdade oriunda da biologia das raças, o que por meio de tais ensinos ou doutrinamento torna-se mais propício a aceitação de que há uma raça superior e outra inferior. Observe que os racistas mudam tudo com o intento de impor sua dominação sobre os outros, suas leis mais severas sobre os mais fracos, o que dá motivo para guerras, ódio, segregação.
O que nós negros de fato desejamos é que todos nos vejam como seres iguais, semelhantes, independentemente da cor ou da função que exercemos. O que queremos é que o discurso da raça superior, de seres melhores que os outros seja desfeito. Que nas Escolas, ruas, praças, Igrejas, parlamento, todos sejam vistos como seres da mesma espécie.
Henri Lefebvre está certíssimo quando, falando da dialética do desenvolvimento humano, diz: o homem só poderia ter se desenvolvido através de contradições; portanto, o humano só poderia ter se formado em oposição ao desumano, inicialmente misturado com ele, para em fim ser discernido através de um conflito e dominá-lo pela resolução desse conflito.  Não se pode mais ver em pleno século vinte um atos desumanos, visto que já houve uma evolução histórica que levou o homem a deixar seu estado selvagem, bárbaro e agora vive sua plenificação consciente. Enquanto não houver destruição do discurso racista maléfico de uma raça melhor, o litigio irá continuar.
Osiel Gomes